Para quem é e para quem pretende ser pai e mãe, esse texto ajuda numa reflexão de humanidade.
Ontem foi a primeira aula de educação e inclusão do meu curso e a professora iniciou passando esta carta de Rubem Alves:
CARTA AOS PAIS
Também sou pai e portanto compreendo. Vocês querem o melhor para o filho, para a filha. A melhor escola, os melhores professores, os melhores colegas. Vocês querem que filhos e filhas fiquem bem preparados para a vida. A vida é dura e só sobrevivem os mais aptos. É preciso ter uma boa educação.
Compreendo, portanto, que vocês tenham torcido o nariz ao saber que a escola ia adotar uma política estranha: colocar crianças deficientes nas mesmas classes das crianças normais. Os seus narizes torcidos disseram o seguinte: Não gostamos. Não deveria ser assim! O problema começa com o fato de as crianças deficientes serem fisicamente diferentes das outras, chegando mesmo, por vezes, a ter uma aparência esquisita. E isso cria, de saída, um mal-estar... digamos... estético. Vê-las não é uma experiência agradável. É preciso se acostumar... Para complicar há o fato de as crianças deficientes serem mais lerdas: elas aprendem devagar. As professoras vão ser forçadas a diminuir o ritmo do programa para que elas não fiquem para trás. E isso, evidentemente, trará prejuízos para nossos filhos e filhas, normais, bonitos, inteligentes. É preciso ser realista; a escola é uma maratona para se passar no vestibular. É para isso que elas existem. Quem fica para trás não entra... O certo mesmo seria ter escolas especializadas, separadas, onde os deficientes aprenderiam o que podem aprender, sem atrapalhar os outros.
Se é assim que vocês pensam eu lhes digo: Tratem de mudar sua maneira de pensar rapidamente porque, caso contrário, vocês irão colher frutos muito amargos no futuro. Porque, quer vocês queiram quer não, o tempo se encarregará de fazê-los deficientes.
É possível que na sua casa, num lugar de destaque, em meio às peças de decoração, esteja um exemplar das Escrituras Sagradas. Via de regra a Bíblia está lá por superstição. As pessoas acreditam que Deus vai proteger. Se assim fosse, melhor que seguro de vida seria levar uma Bíblia sempre no bolso. Não sei se vocês a lêem. Deveriam. E sugiro um poema sombrio, triste e verdadeiro do livro de Eclesiastes. O autor, já velho, aconselha os moços a pensar na velhice. Lembra-te do Criador na tua mocidade, antes que cheguem os dias das dores e se aproximem os anos dos quais dirás: "Não tenho mais alegrias..." Antes que se escureça a luz do sol, da lua e das estrelas e voltem as nuvens depois da chuva... Antes que os guardas da casa comecem a tremer e os homens fortes a ficar curvados... Antes que as mós sejam poucas e pararem de moer... Antes que a escuridão envolva os que olham pelas janelas... Antes que as pessoas se levantem com o canto dos pássaros... Antes que cessem todas as canções... Então se terá medo das alturas e se terá medo de andar nos caminhos planos... Quando a amendoeira florescer com suas flores brancas, quando um simples gafanhoto ficar pesado e as alcaparras não tiverem mais gosto... Antes que se rompa o fio de prata e se despedace a taça de ouro e se quebre o cântaro junto à fonte e se parta a roldana do poço e o pó volte à terra... Brumas, brumas, tudo são brumas... (Eclesiastes 12: 1-8)
Os semitas eram poetas. Escreviam por meio de metáforas. Metáfora é uma palavra que sugere uma outra. Tudo o que está escrito nesse poema se refere a você, a mim, a todos. Antes que se escureça a luz do sol... Sim, chegará o momento em que os seus olhos não verão como viam na mocidade. Os seus braços ficarão fracos e tremerão no seu corpo curvo. As mós - seus dentes - não mais moerão por serem poucos. E a cama pela manhã, tão gostosa no tempo da mocidade, ficará incômoda. Você se levantará tão cedo quanto os pássaros e terá medo de andar por não ver direito o caminho. É preciso ser prudente porque os velhos caem com facilidade por causa de suas pernas bambas e podem quebrar a cabeça do fêmur. Pode até ser que você venha a precisar de uma bengala. Por acaso os moinhos pararão de moer? Não, os moinhos não param de moer. Mas você parará de ouvir. Você está surdo. Seu mundo ficará cada vez mais silencioso. E conversar ficará penoso. Você verá que todos estão rindo. Alguém disse uma coisa engraçada. Mas você não ouviu. Você rirá, não por ter achado graça, mas para que os outros não percebam que você está surdo. Você imaginou uma velhice gostosa. E até comprou um sítio com piscina e árvores. Ah! Que coisa boa, os netos todos reunidos no "Sítio do Vovô", nos fins de semana! Esqueça. Os interesses dos netos são outros. Eles não gostam de conviver com deficientes.
Eles não aprenderam a conviver com deficientes. Poderiam ter aprendido na escola mas não aprenderam porque houve pais que protestaram contra a presença dos deficientes.
A primeira tarefa da educação é ensinar as crianças a serem elas mesmas. Isso é extremamente difícil. Fernando Pessoa diz: Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim. Frequentemente as escolas esmagam os desejos das crianças com os desejos dos outros que lhes são impostos. O programa da escola, aquela série de saberes que as professoras tentam ensinar, representa os desejos de um outro, que não a criança. Talvez um burocrata que pouco entende dos desejos das crianças. É preciso que as escolas ensinem as crianças a tomar consciência dos seus sonhos!
A segunda tarefa da educação é ensinar a conviver. A vida é convivência com uma fantástica variedade de seres, seres humanos, velhos, adultos, crianças, das mais variadas raças, das mais variadas culturas, das mais variadas línguas, animais, plantas, estrelas... Conviver é viver bem em meio a essa diversidade. E parte dessa diversidade são as pessoas portadores de alguma deficiência ou diferença. Elas fazem parte do nosso mundo. Elas têm o direito de estar aqui. Elas têm direito à felicidade. Sugiro que vocês leiam um livrinho que escrevi para crianças, faz muito tempo: Como nasceu a alegria. É sobre uma flor num jardim de flores maravilhosas que, ao desabrochar, teve uma de suas pétalas cortada por um espinho. Se o seu filho ou sua filha não aprender a conviver com a diferença, com os portadores de deficiência, e a ser seus companheiros e amigos, garanto-lhes: eles serão pessoas empobrecidas e vazias de sentimentos nobres. Assim, de que vale passar no vestibular?
Li, numa cartilha de curso primário, a seguinte estória: Viviam juntos o pai, a mãe, um filho de 5 anos, e o avô, velhinho, vista curta, mãos trêmulas. Às refeições, por causa de suas mãos fracas e trêmulas, ele começou a deixar cair peças de porcelana em que a comida era servida. A mãe ficou muito aborrecida com isso, porque ela gostava muito do seu jogo de porcelana. Assim, discretamente, disse ao marido: Seu pai não está mais em condições de usar pratos de porcelana. Veja quantos ele já quebrou! Isso precisa parar... O marido, triste com a condição do seu pai mas, ao mesmo tempo, sem desejar contrariar a mulher, resolveu tomar uma providência que resolveria a situação. Foi a uma feira de artesanato e comprou uma gamela de madeira e talheres de bambu para substituir a porcelana. Na primeira refeição em que o avô comeu na gamela de madeira com garfo e colher da bambu o netinho estranhou. O pai explicou e o menino se calou. A partir desse dia ele começou a manifestar um interesse por artesanato que não tinha antes. Passava o dia tentando fazer um buraco no meio de uma peça de madeira com um martelo e um formão. O pai, entusiasmado com a revelação da vocação artística do filho, lhe perguntou: O que é que você está fazendo, filhinho? O menino, sem tirar os olhos da madeira, respondeu: Estou fazendo uma gamela para quando você ficar velho...
Pois é isso que pode acontecer: se os seus filhos não aprenderem a conviver numa boa com crianças e adolescentes portadores de deficiências eles não saberão conviver com vocês quando vocês ficarem deficientes. Para poupar trabalho ao seu filho ou filha sugiro que visitem uma feira de artesanato. Lá encontrarão maravilhosas peças de madeira...
Linda carta: ensinar a ser elas mesmas, conviver e saber respeitar as diferenças.Lindo aprendizado! beijos,chica
ResponderExcluirPost perfeito Ana!
ResponderExcluirAs pessoas são preconceituosas e esquecem do seu futuro o que pode vim acontecer com elas.
É na Infância que devemos ensinar nossos saber Conviver =D
Não sou mais,vejo muitas crianças sendo educada de forma muito errada e o pior de tudo é que estou estudando licenciatura em artes e tenho que ir para sala de aula para mim será um grande desafio trabalhar com essas crianças que são educadas pelos seus familiares de uma forma não bacana..
Xero e Boa quinta :)
O tempo passa e o que fica são as experiências adquiridas.
ResponderExcluirInclusive, passa muito rápido.
Bela carta.
Beijos.
Belíssima carta amiga!
ResponderExcluirSou apaixonada por tudo que Rubem Alves escreve,
desde que participei de um Congresso de Educação em SP,onde ele iniciou com uma palestra: Semeando nos Campos da Infância.
Ele escreve e fala com tanta propriedade de conhecimentos, que nos encanta e convence de que precisamos realmente mudar... Ele é fabuloso!!! Obrigada pela partilha.
Abraços! Uma linda tarde pra ti.
Olha, Karla, Rubem Alves para mim é o maior filósofo vivo brasileiro depois deste incrível que você tem aí em cima, o grande Paulo Freire.
ResponderExcluirPonha reparo nessas palavras benditas, porque é por aí que se educa e fico contente que as escolas estejam utilizando cada vez mais os ensinamentos deste grande homem para fazer as novas gerações de educadores no país. Parabéns pela boa aula.
beijos cariocas
Olá, querida Karla
ResponderExcluirGostei muito do seu post e vi muitas verdades apontadas nele... Muito bom!!!
Tenho tido carinho pertinho dos 60.. imaginando-me aos 70... 80... quero ser tratada igual até agora... ou melhor ainda: tomara Deus continuar me ajudando como até hoje!!!
Tudo tem melhorado tanto entre nós... os filhos homens são mais camaradas ainda... a mulher diz: "descansa, mãe"... "dorme depois do almoço"... etc... e eu que não me sinto ainda uma semi idosa para tal??? rsrsrs... Tenho,normalmente, mais pique do que eles ainda...
O livro de Eclesiastes ensina tantas verdades tanto para os pais como para os filhos... Lindo de se ler e meditar!!!
Deus te cubra de MUITAS bênçãos e te faça MUITO feliz!!!
Bjs festivos de paz
Rubem Alves é genial, sempre consegue tocar o coração da gente...lindo! beijos
ResponderExcluirExcelente texto nossos filhos precisam conviver coma realidade da vida não importa que deficiência for encontrada ela sempre existira....
ResponderExcluirBeijo Lisette.
Eclesiastes é um livro que tanto os pais como os filhos deveriam ler e praticar. Tão bom que saiu isso, esse post tão profundo e revelador! Parabéns Ana Karla! Linda lição e lindo final de semana! Beijos!
ResponderExcluirOi Ana Karla!
ResponderExcluirQue lindo post!
O conviver é uma arte e para transmití-la se faz necessário ter o sentimento de admiração às diferenças, pois a efemeridade da vida nos coloca diante das mais diversas facetas. Quando meus filhos eram pequenos a escola começou um trabalho de inclusão e foi um trabalho belíssimo e as crianças aceitaram muito bem, foi muito bonito de ver.
Beijinhos e um lindo fds!
A sensibilidade desse grande pensador sempre me contagia!
ResponderExcluirOI QUERIDA KARLA HOJE VIM SÓ TE VISITAR, DEIXAR OUTRO DIA PARA COMENTAR O POST EU O ACHEI MARAVILHOSO A MINHA FILHA TEVE ALTA DO HOSPITAL ONTEM , NOS DEU UM SUSTO MAIS GRAÇAS A DEUS ESTÁ SE RECUPERANDO , MAIS VOLTAREI COM MAIS CALMA, UM ABRAÇO , CELINA
ResponderExcluirAdorei o texto! Obrigada por compartilhar! Acho que todos deveriam esquecer da palavra deficiente e renova-lá por especial!
ResponderExcluirbeijos e ótimo fds!
Parabéns, Ana, pelo texto aqui publicado! Estou contente por ter vindo ao seu blog e ter lido este texto.
ResponderExcluir;)
As crianças captam tudo!! Mas infelizmente a criança cresce e se torna um adulto, como esse pai, que se esquece que precisou do adulto que agora precisa dele.
ResponderExcluirEstamos pulando etapas de desenvolvimento humano. Estamos nessa vida para aprender a conviver com os ciclos, para compreender a nossa trajetória terrestre.
Deus nos dá a aportunidade para sermos mais fraternos e compadecidos com a dor do outro. Precisamos de todos esses ensinamentos para nosso espírito se elevar. A recompensa é magnânima e o sofrimento amenizado. Veja como existem pessoas que mesmo passando por problemas difíceis, estão sempre com um sorriso. Isso sim é ter espírito evoluído!! Às que acordam e pela manhã já estão lastimando o dia, talvez precisem de um choque de realidade!!
Bom fim de semana!! Beijus,
Vim desejar uma boa semana! Bjs!
ResponderExcluirBeijo grande Lisette.
ResponderExcluirQuando leio o Rubem sempre tenho uma visão de um extraterrestre,ele é fantastico.Os exemplos, as metaforas, as parabulas que ele insere em suas inspirações fazem reflexões que nos tiram do chão.Voce escolheu um texto perfeito para esta situação da educação,futuro e convivencia.O preparar-se à luz da razao e dos ensinamentos do mestre.
ResponderExcluirTinha visto a foto nas atualizações e fiquei com esta curiosidade para ler e hoje vi.
Grato pela partilha Ana,voce sempre criteriosa.
Admiro amiga.
Meu terno abraço.
Bjo.